28/08/2019

Nós jamais deixamos de acreditar

Uma camisa pesada não mostra seu valor apenas no momento de levantar a taça. Um time, para se tornar gigante, não pode esperar sofrer apenas nos instantes que antecedem a consagração de um título. Pelo contrário. É no dia a dia, a cada mês ou ano, que uma equipe campeã forma sua casca. Poucas têm a mesma que o Inter, especialmente em confrontos eliminatórios. Em 2009, foi o Flamengo quem provou da força colorada.

Classificado às quartas de final da Copa do Brasil após superar, respectivamente, União Rondonópolis, Guarani e Náutico, o Clube do Povo viajou ao Rio de Janeiro para abrir a disputa por vaga entre as quatro melhores equipes do país. No Maracanã, diante de mais de 50 mil pessoas, Flamengo e Inter empataram por 0 a 0 na noite de 13 de maio, deixando tudo em aberto para o Beira-Rio, estádio no qual havíamos disputado três confrontos pelo torneio, todos vencidos, com nove gols marcados e nenhum sofrido.

No dia 19, véspera do duelo de volta, os ingressos para o confronto já estavam esgotados. Completamente mobilizada, a torcida ansiava por, após conquistar Mundo e América, acumular novas vitórias especiais em âmbito brasileiro. Mais do que isso, o ano, de centenário do Clube, foi o primeiro em muito tempo iniciado sem a presença de líderes como Fernandão e Iarley no elenco. Assim, superar um tradicional adversário significava, mais do que manter vivo o sonho do título nacional, abraçar um novo esquadrão que se formava. 

Guiñazú, simbolo da vitoriosa geração que encerrou a primeira década do século XXI

Minutos antes de o jogo ser iniciado, o Beira-Rio percebeu que a noite não seria decidida apenas nas quatro linhas. Ventos de áureos tempos sopraram na direção do Guaíba quando, ao mesmo tempo, Rafael Sobis e nosso Eterno Capitão pisaram no gramado do Gigante. Mais do que ídolos, os colorados se preparavam para viver 90 minutos como membros da mais bela massa anônima que existe na terra. Durante a partida, nada mais seriam do que parte da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande. Com eles nas arquibancadas, uma boa dose de misticismo passou a ser esperada.

Fernandão e Sobis, este há algum tempo em Porto Alegre tratando lesão, alimentaram a atmosfera vencedora que tomou o Beira-Rio

O prélio foi iniciado de maneira extremamente tensa. Meticuloso, ciente de que um gol adversário poderia comprometer todo o planejamento, o Inter soube cozinhar um Flamengo que parecia pronto para aprontar. Ineficaz, a rotação carioca não custou a diminuir, logo cedendo espaço a uma das mais intensas duplas já vistas.

Primeiro, aos 37, Taison recebeu de Nilmar, arrancou e fuzilou. O goleiro defendeu, mas, além de incendiar ainda mais o Beira-Rio, o lance também despertou de vez os endiabrados pés que compunham nossa linha de ataque. Custaram 5 minutos para que o camisa 9 desarmasse a zaga rival, abandonasse a marcação, e, com precisão, servisse seu parceiro. Como um rolo compressor, o jovem número 7 honrou a história de seu manto para, antes das chegadas de defesa ou arqueiro, concluir. Pelo menos para o momento da descida aos vestiários, a classificação era nossa.

Reiniciado o duelo, o Flamengo tentou abrir suas asas e arriscou com Ibson, em finalização de fora da área que saiu à direita. Taison e Rosinei, na sequência, responderam, reforçando o domínio colorado nas ações do jogo. Cada chance desperdiçada era lamentada por 47 mil gargantas, que também souberam reforçar a zaga, vaiando quaisquer jogadas cariocas; e compor o ataque, empurrando o Inter a plenos pulmões.

Multidão alguma, contudo, pôde conter a troca de passes entre Ibson e Kléberson, que encontrou Emerson livre para marcar. Aos trinta minutos, a igualdade era estabelecida, restando ao Inter mísero quarto de hora para buscar a classificação. Duro baque para torcida e grupo, criando um cenário que cobrava por imediata volta por cima, caso contrário, poderia ser tarde demais. E a resposta veio, também dentro de campo, mas principalmente na força de um Gigante lotado, que serviu de principal motor para a vitória.

O apoio emanado das arquibancadas foi tamanho que nem mesmo os narradores, no conforto de suas cabines e ao lado de seus microfones, conseguiram se fazer ouvir diante do grito de milhares. Em uníssono, uma massa perfeitamente amorfa e desordenada convocou o Inter, sua paixão, a atacar. E o Colorado respondeu. 

Frequentando assiduamente a área adversária, o Clube do Povo não hesitou em apostar nos cruzamentos e bolas paradas para encurralar os visitantes. Dominado, o Flamengo não conseguia reagir, e se entregava à ansiosa torcida pelo encerramento da partida, única esperança que restava no horizonte carioca. Houve instante em que as finalizações coloradas superaram, inclusive, o goleiro adversário, porém, mesmo nestes momentos surgiram, sobre a linha, indigestos pés rubro-negros para salvar os rivais. Até que Tite chamou Andrezinho.

Perito nas cobranças de falta, o camisa 17 foi agraciado com rara oportunidade aos 43 minutos da etapa final, quando Glaydson sofreu cama de gato de Ibson. De frente para a meta flamenguista, encarando, mais do que o goleiro Bruno, um aglomerado de alvirrubros, Andrezinho pareceu entender o que diziam os olhos de cada colorado que o mirava. 

Por breves segundos, a saudosa meta do Placar se tornou o epicentro do futebol brasileiro. No recorte de relva onde a bola repousava, foi depositada a benção do Eterno Capitão, que das arquibancadas apoiava. Andrezinho, por sua vez, incorporou ao seu iluminado pé direito a precisão de Valdomiro. Viveu, também, a emoção de ser Escurinho. Talismã.

Autorizado, respirou e deu início ao mais longo de seus caminhares. Um, dois, três, quatro passos. Pé de apoio posicionado. O beijo da perna destra dado. No ângulo da baliza, o destino endereçado. Treme o Beira-Rio.

Em dívida no escore, o Flamengo, obviamente, tentou encontrar seu gol. Completamente anestesiado pelo perturbador urro que ecoava no trepidante Beira-Rio, entretanto, nada encontrou. Aos pontuais 49 minutos e 45 segundos foi ouvido o decisivo apito, e a classificação estava garantida. Em direção à torcida partiram os heróis, para, definitivamente como um só, torcida e time celebrarem o inesquecível triunfo. Inter, semifinalista!


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